Era somente uma manhã fria, quando pegamos o trem com destino à pequena cidade de Urnäsch no Cantão de Appenzell Ausserrhoden. Mas logo ao passarmos o túnel entre as cidades de Schmerikon e Wattwil a paisagem já estava toda branca, nevava muito, e pude ver a alegria estampada na cara do meu Nico. Encontramos com uma amiga e sua família no meio do caminho. Quando chegamos à pequena Urnäsch o que os meninos mais queriam era se jogar na neve e brincar, mas assim como todo mundo que estava por lá, o que nós queríamos era ir literalmente à caça dos Chlausen.
Hmm vocês devem estar agora se perguntando o que são chlausen?
Chlausen são os personagens de uma linda festa (Silvesterchlausen) que ocorre nessa região e é celebrada em duas diferentes datas: 31 de dezembro e 13 de janeiro, na qual eles celebram o Ano novo e o Ano velho respectivamente. Parece diferente, e é. Nessas pequenas cidades do cantão Appenzell Ausserhoden, que é protestante, eles celebram essas duas datas pois demoraram para aceitar a reforma do calendário em 1582 feita pelo Papa Gregório XIII e só a partir de 1798, sob pressão das forças de ocupação napoleônicas, eles passaram a usar também o calendário gregoriano. Nesses municípios a tradição de Ano velho foi difícil de ser abolida e por isso hoje em dia tem duas celebrações.
Agora vamos lá. O que vem a ser essa festa?
A Silvesterchlausen é caracterizada pela constituição de três grupos distintos:
– Os Wüeschten (“feios”)- usam fantasias confeccionadas com galhos de pinheiros, musgo, e máscaras assustadoras e grandes sinos.
– Os Schönen (bonitos) – usam fantasias tradicionais da região, colorida e têm máscaras que se parecem com rostos. Alguns usam um adorno na cabeça que geralmente pesa até 8kg e contam histórias do cotidiano das vidas nos Alpes.
Os Schön-Wüeschten (os “menos feios”) – são uma mistura do feio e do bonito. Suas fantasias são feitas de elementos da floresta como as dos “feios”. Mas as máscaras são mais humanas na aparência e também têm peças de cabeça feita de folhas, nozes e palha e pode também retratar cenas alpinas incluindo celeiros.
A última variante são os Spasschläuse (palhaços), mas hoje em dia não tem muito deles ou quase não tem. Geralmente eles usam fantasias mais leves, não carregam nenhum ornamento na cabeça e somente mascaras. Geralmente são compostos por fazendeiros e yodels.
Em pequenos grupos com seis integrantes eles percorrem a região de casa em casa. Em um círculo cantam um Zauerli (um tipo particular de yodel que é sem palavras) e ao final de cada Zäuerli eles desmancham o círculo pulando e fazendo-se ouvir os sinos que carregam. Geralmente são sempre quatro integrantes carregando um grande sino e dois – os que estão caracterizados de mulher do grupo Schonen – carregando um cinto que se não me engano são 13 pequenos sinos. Nesse intervalo os donos da casa oferecem bebidas a eles. Essa coreografia é feita três vezes e depois eles se despedem e vão para a casa vizinha, onde já estão sendo esperados.
Qual o intuito de tudo isso? É de apenas desejar um ano próspero às famílias que eles visitam.
Perguntei à minha amiga a origem e quando começou propriamente essa tradição, mas segundo ela parece que nem mesmo os moradores de lá sabem dizer ao certo quando começou. São perguntas sem uma resposta realmente clara. Não se sabe se se trata de uma tradição pagã para espantar os maus espíritos ou se teve origem numa tradição medieval realizada na época do advento, mas que durante o século 15 por ser considerada um pouco selvagem e até mesmo carnavalesca, eles transferiram para a noite de ano novo. Mas o que se sabe até então é que é vista como uma tradição não cristã e que é passada de pai para filho. O Appenzeller tem orgulho de suas tradições e folclore únicos, que incluem vários tipos de música e trajes típicos surpreendentes tanto para homens como para as mulheres.
Foi uma manhã de longa caminhada debaixo de neve e ao sinal de qualquer barulho de sino correríamos na direção do som. Nos deparamos com o primeiro pequeno grupo de Wueschten, e nesse momento o sorriso no rosto do meu filho se desfez e um pouco de medo surgiu, afinal eram homens cobertos de folhas da cabeça ao pés. Mas depois de uns dez minutos, tanto ele como eu estávamos maravilhados e excitados querendo encontrar mais grupos pelo nosso caminho.
Continuamos nossa jornada e já estávamos desistindo de encontrar algum pequeno grupo de Schonen. Com clima ruim, aqui digo chuva ou neve, eles não fazem visitas de casa em casa e vão direto para algum restaurante da cidade, pois os adornos que eles usam são pintados a mão e acabam se danificando com um clima ruim. Mas eis que eles surgem próximo de onde estávamos. Se eu já tinha adorado os “feios”, imagina o que senti ao ver os “bonitos”. Suas fantasias e adornos são lindos, e a canção triste mas especial.
Quando o clima está bom, a cidade fica repleta de pessoas que vêm de várias outras regiões apreciar o evento. Nesse dia 13 estava nevando muito, mas mesmo assim tinha várias pessoas. Eu gosto muito disso nos Suíços: faça chuva, sol ou neve eles não deixam de fazer atividades outdoor.
Se vale a pena levantar numa manha fria de inverno e ir até Urnäsch conhecer um pouco mais da tradição local? Eu digo que sim! Vale a pena e eu recomendo para qualquer pessoa que queira testemunhar um evento verdadeiramente único e especial.
Mais informações : www.museum-urnaesch.ch
Com carinho,
Rita