Hoje é Dia das Mães, e relendo o post sobre o parto do Julián, escrito pela minha querida amiga Dirlene, comecei a lembrar do nascimento dos meus dois filhos.
Nas duas vezes optei por cesareana e recebi muitas críticas. Desde então esse tópico entrou para minha listinha de “assuntos tabu”, lado a lado com religião, futebol e partido político. Me sinto bem com a minha escolha, mas parece que recebi um selo na testa que não me dá o direito de falar dos partos dos meus filhos com carinho.
Nunca tentei convencer ninguém a seguir minha escolha, mas defendo o direito de escolha de todas as futuras mamães. E muitas fantasiam tanto o momento do parto que infelizmente se algo sai diferente do planejado o sonho se desfaz e vira um pesadelo. O parto é um momento muito importante sim, mas ser mãe é muito mais do que parir. Somos mães todos os dias e em cada pequena coisa que fazemos para e com os nossos filhos.
Relendo minhas anotações encontrei o texto abaixo que escrevi quando estava na maternidade. Conta bem o que vivenciei na hora do parto e nos dias consecutivos. É um relato da minha segunda cesária. Sem drama. Sem fantasias. Realidade pura.
*******************
“Entro no banho com meu barrigão de oito meses. Estou me sentindo meio estranha e assim que saio minha bolsa estoura. Oops, enquando olho para o fio de água escorrendo lentamente pela parte interna das minhas coxas acho que estou tendo um Déjà Vu. Já passei por isso antes ;). Ligo para meu marido e para uma Amiga (santa Dri!!) e me deito na cama, ainda sem roupa, rezando para dar tempo de ele chegar em casa. As contrações começam enquanto ligo para o hospital avisando que estou a caminho para um parto prematuro, no início da semana 37 de gestação.
Três horas depois, após os exames básicos e conversa com o médico (substituto, já que assim como da primeira vez meu obstetra está viajando), sou encaminhada para a sala de cirurgia devidamente vestida com o avental hospitalar: feio, áspero e prático. Já estou com uma sonda no braço, tomando um analgésico na veia. Amo analgésicos e serei eternamente grata a quem os descobriu, inventou, produziu, criou, ou o que seja.
Perto do elevador tenho outra contração. Quero morrer. Não sei se de dor ou de vergonha se comparar com as contrações que as mães aguentam até o final do parto normal. Mais uma vez admiro as mulheres que encaram o parto normal sem anestesia. Admiro mas não invejo. Elas lá e eu cá.
Já na sala de cirurgia sinto um frio na barriga. Saio correndo? Minha barriga não me permite muita mobilidade e as contrações cada vez mais constantes me dizem que algo vai sair de dentro de mim de uma forma ou de outra. Melhor ficar deitadinha e rir dar piadas sem graça da equipe médica, que carinhosamente tenta me distrair. Cadê meu marido? Finjo não estar em pânico.
Percebo que amarraram somente meu braço esquerdo. O direito está com sonda. Melhor não tentar dar um soco na anestesista que só fala suíço alemão. Aliás, nem quero entender o que ela está falando. Obedeço por inércia.
Uma enfermeira testa sem parar minha sensibilidade com um rolinho gelado. Meu marido já está comigo. Uma tenda de tecido cobre minha barriga e o reflexo de uma janela onde antes eu podia ver os médicos. Não quero ver nada, quero que tudo acabe logo e quero segurar meu filho nos braços.
Cortam minha barriga e começam a fazer algo que não sei descrever. Me sinto como uma massa de pão. Sou manipulada sem parar. Sensação desagradável e super esquisita. Nada de dor, mas é estranho sentir que estão mexendo dentro de você. Meus pensamentos são interrompidos por um choro estridente. Choro também.
Meu bebê é lindo, perfeitinho. Meu marido segue com a enfermeira para que o bebê seja limpo. Voltam com ele e o colocam nos meus braços (devidamente desamarrados agora) enquanto os médicos tiram o resto da placenta com movimentos bruscos. Nem ligo mais, que façam comigo o que quiserem. Estou com meu bebê em cima do peito. Lindinho. Cabelo preto.
A enfermeira leva novamente meus dois homens para longe de mim, pois o neném precisa ser examinado. E minhas muitas camadas de pele, músculos e órgãos precisam ser costuradas.
Acabou e seguem comigo para uma sala de observação, onde devo permanecer pelas próximas três horas. Me mudam de maca sem que eu consiga me mexer. Nem quero me mexer. A sensação de não sentir as pernas é muito ruim. Eles giram minhas pernas de um lado pro outro e apesar de eu ver que estão conectadas ao meu corpo não sinto absolutamente nada. Na minha primeira cesárea eu não estava assim tão consciente das coisas. Estava muito mais estressada, então nem prestei muita atenção a esses detalhes. Ou minha memória seletiva me protegeu nesses últimos três anos para que eu não desistisse de uma segunda gravidez.
Meu marido volta com meu filho. Os dois homens mais lindos que já vi em toda minha vida.
Devagar começo a sentir coceiras na barriga… é a anestesia indo embora. Depois de umas duas horas consigo tremer as pernas, mas a pele ainda está meio adormecida. Em algum momento mexo o dedão do pé. Legal, logo vamos para o quarto. Estou com fome e peço uma torrada.
Minha cama é posicionada perto da janela. Delícia, agora estou no quarto onde ficarei pelos próximos seis dias. Olho para a sonda e venero cada gotinha de analgésico que entra na minha veia. Ganho de tempos em tempos uma injeção extra de remédio pra dor. Falo “ganhar”, pois é como um presente mesmo. Também percebo que começo a desenvolver uma relação de muito carinho e respeito pelo meu cateter. Adoro saber que sua presença ali me livra de qualquer obrigação de me levantar.
Janto na cama. Minha filha chega com meu sogro para conhecer o irmãozinho. A família está completa. Assim que eles vão embora a enfermeira pergunta se quero tentar andar até o banheiro para escovar os dentes e me refrescar. Claro que não, resposta óbvia. Mas penso duas vezes e resolvo ir. Dor monstruosa. Sigo e retorno do banheiro com passos bem lentos. Ainda estou viva.”
O dia seguinte
Durmo e acordo várias vezes durante a noite. Recebo mais umas doses da minha injeção querida. Meu menininho está na cestinha ao lado da cama e dorme como um anjinho.
Acordo ainda bem cansada e sinto muita dor ao levantar da cama. É uma pontada forte na região da incisão e uma sensação dolorida em toda a barriga. Tomo um banho rápido, mas refrescante.
Meu marido vem sozinho para o almoço e volta para o jantar com a pequena. Passo o dia monitorando o bebê, que só dorme. Fico de molho na cama, teclando no computador. Deitada ou sentada me sinto ótima. Me mexer é o problema. Fico tentando descobrir a melhor e menos dolorida forma de me levantar da cama.
Terceiro dia
Acordo mais disposta. Lavo os cabelos e me sinto bem. Ainda sinto dor, mas suportável. Não estou sangrando tanto, então reduzo o tamanho do absorvente de gigantesco para imenso. Faço um make-up básico e coloco uma calça preta de moletom e uma camiseta preta. Estou pronta para iniciar o dia, que não tem programação alguma.
Espero ansiosamente a chegada do café da manhã, que só é servido às 9:00. Super tarde, para quem acordou às 6h. À caminho do restaurante com toda a família encontro sem querer um conhecido. Ele alterna algumas vezes o olhar entre minha barriga imensa (parece que ainda estou de sete meses) e o carrinho do bebê. Brinco dizendo que os médicos esqueceram o gêmeo dentro da minha barriga. Ele adora a piada, eu odeio.
Sinto um pouco de dor o dia todo, mas consigo andar no corredor do hospital. Tomo analgésico três vezes ao dia durante as refeições. Acho que ajudaria muito se eu conseguisse dormir mais e melhor. Planejo um cochilo de tarde, mas recebo visitas. Caio na cama às 20h e sou acordada às 22h com um chorinho estridente. Durmo super mal e apenas por algumas horas. Tomo dois analgésicos extra e tenho cólicas, uma vez que em que o útero está se contraindo para voltar ao tamanho original. Também tomo remédio para estimular o funcionamento do intestino, que precisa voltar a funcionar até uns três dias depois da cesárea.
A boa notícia é que parece que meu diabetes gestacional passou. Oba!
Quarto dia
Sinto cada vez menos dor, mas tossir ou espirrar ainda é um tormento. Ajuda muito pressionar a barriga bem forte (apesar do medo) assim que perceber que tem que tossir. O intestino funciona novamente.
Recebo meu marido e filha para o almoço. Meu marido volta para o jantar, já que ganhamos do hospital um jantar a dois no restaurante. 🙂
Dia 5
Meu filho é trazido de volta para meu quarto (estava fazendo “banho de luz” pois estava amarelinho) e após o café saio “correndo” para uma sessão de fisioterapia focada em pós-gravidez. Ainda de manhã recebo a visita de uma amiga alemã e uma amiga brasileira passa a tarde comigo. De tarde uma mulher e seu bebê são trazidos para meu quarto. Junto com ela chega o meu maior pesadelo: amamentação. Meu marido e filha vêm jantar comigo.
Dia 6
Acordo me sentindo um pouco melhor. Tenho um dia bom. Minha companheira de quarto consegue um quarto privado e fico novamente sozinha. Tive sorte, pois de seis noites três passo sozinha. De manhã assisto a uma aula sobre banhos em bebês. Passo o dia no computador. Uma fotógrafa faz foto profissionais do meu filho na cama. Fotos lindas!
Amanhã posso sair do hospital e resolvo fazer as malas e arrumar tudo o que posso ainda hoje. Não vejo a hora de ir para casa.
Recebo novamente a visita da especialista em amamentação e desisto de continuar tentando amamentar.
De tarde vou para o restaurante com meu menininho comer um doce com chocolate quente. Aliás, nos últimos quatro dias ataco doces todas as tardes. Preciso urgentemente sair desse hospital e retomar minha rotina.
Janto com meu marido e minha filha e não vejo a hora de voltar para casa amanhã.